16 janeiro 2015

Time do Céu

Foi há muito tempo.
E por acaso.
Aconteceu aos poucos. Uns de fora, outros dos aspirantes e alguns que com o tempo pediram pra não usarem os apelidos – e com razão: “Bostinha”, “Três-pernas”, “Defunto” e “Burrão”, dizem, são só alguns exemplos publicáveis.
Quando se viu, o time da cidade tinha, em dado período, Jesus, Moisés, Jeová, Abrão, Isáqui, Ismael, Oziris, David, Dionísio, Marramédi e o goleiro Brahma (o único que manteve o apelido, derivado do hábito alcoólico e do número da camisa). Sem contar o massagista, que, careca e gordo, ganhou o epíteto de Buda. Faltava só um Kardec – fisicamente, ao menos.
O time inspirava respeito. Porque era bom e porque todos evitavam ofender os jogadores. Nunca se ouviu um “vai tomar no …, … (um dos nomes acima)!”.
Poderia até ter feito história.
Mas durou pouco.
Quase não há registro.
Há alguns recortes marrons incompletos. Uma foto sem identificação dos jogadores na casa do avô do dono do bar. Mas muitos oralmente repassam a verdade ou a lenda – contando com a fé dos ouvintes.
É o meu caso, que reproduzo tal como ouvi de um deles.
A parte principal é a do jogo decisivo em que o time estava tomando um passeio de, digamos, 6 a 1.
Perplexa, sem ter como reagir, a torcida resolveu rezar, orar, suplicar, rogar, implorar, prometer, pedir, meditar – em suma, usar todas as formas que eles conhecessem de lançar suas preces para virar o placar nas religiões evocadas pelos nomes dos jogadores.
De joelhos. Mãos postas. Olhos fechados. Mãos elevadas. Sinais. Ritos. Balbucios. Até umas velas e imagens foram registradas.
Muitos perceberam que aquilo era estranho. Que a imaginação e o desejo confundiram a razão das pessoas. Mas aderiram, porque a humilhação era grande e não custava tentar.
Mas não só não adiantou como no meio do segundo tempo um dos jogadores, irritado com os demais, esbravejou e fez um gol contra de propósito: 7 a 1!
Há versões para todos os gostos e orientações quanto a quem teria cometido o ato.
O certo é que, em meio ao sagrado e transcendental silêncio – as mãos unidas, as faces pro céu – dos presentes, quebrou o maior pau.
No próprio time. Porrada, ofensa, chave de braço, cutelada, gravata, balão, pontapé, areia no rosto, unhada, joelhada na costela – o espanto dos adversários e dos torcedores impediu qualquer intervenção. A violência aumentava mais e mais e parecia que não ia parar.
Mas parou. Foi parando, parando, parando e parou.
Mas ali acabou o time.
Todos foram embora. Ninguém falou do assunto por muito tempo.
E só recentemente é que o episódio ganhou curso, com lembranças ou ilusões que um veterano torcedor externou num evento qualquer.
Muitos ainda garantem que é mentira.
Eu acredito.
Vocês, só se quiserem.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)