22 abril 2015

Natureza Morta

Ele limpa a salinha e os troféus e medalhas. Espanador, perfex, bafejada, sopro, cuspezinho, toalha, papel, punho da camisa, até lambida.
Não são muitos, nem têm valor – imitações de lata –, mas sujam demais com as paredes caiadas e as telhas naquele estado.
Duas, três vezes por dia, ele garante o brilho possível.
Ficam sobre três prateleirinhas de tábua, no meio de canecas de festival de chopp, calendários, pesos de papel, um santo de gesso e um retrato do time de 72.
É nele que ele jogava. Agachado, na ponta-esquerda, cabelo empastado.
Todo sépia, comido nas pontas, sem vidro, moldura solta.
O time nem existe mais – a salinha é no fundo da loja do antigo presidente.
Faz a faxina de graça só pra olhar o retrato e os troféus – natureza morta.
É ele quem lhes dá um pouco de vida.
Ou o inverso.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)