11 maio 2015

Pão com Ovo

Marmanjo, grisalho, ainda leva a mãe para assistir a todos os seus jogos.
Pode ser no terrão, nas fazendas, nos estadiozinhos com degraus de arquibancada ou – ocorreu somente duas vezes nesses mais de trinta anos – no estádio municipal.
Ela de guarda-chuva, em pé, ou sentada numa toalha que sempre levam, com a garrafa de água e o sanduíche.
O mesmo que ela levava pra ele quando, moleque, começou a jogar nas peladas e nos times de roça, de bairro, de amigos e de escola. Era acabar o jogo, suado, polvilhado de terra, caiado de areia ou rebocado de lama e lá na cerca, na porteira, na estradinha, no barranco, estava ela, com o cantil e o pão com ovo.
Náufrago. Moribundo.
Ela com o pano úmido na sua testa.
“Fez gol, filho?”
“Hoje não, mãe.”
E o pão com ovo. De olhos fechados. Mastigado como se um milagre pleno se enovelasse na sua boca e se desmanchasse até a alma.
“Não faz mal, filho. Noutro jogo você faz.”
Mais de trinta anos tentando fazer gol em todos os jogos.
Para poder responder: “fiz, mãe!”
Claro que nem sempre conseguiu. E que foi ficando cada vez mais difícil fazer.
Ele já podia, devia até, em função da idade, ter parado de jogar.
Mas acha que morreria.
Não pelos jogos. Não pelos gols.
Até porque faz anos que está sempre na reserva. E há muito tempo não faz nenhum gol.
Mas pelo pão com ovo injetando-lhe vida.
E pela bênção repetida enquanto ele ainda está de olhos fechados terminando de mastigar: “não faz mal, filho. Noutro jogo você faz”.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)