10 fevereiro 2017

Final de Copa

Não resistiu. Viu a pelada e deu seta, pegou o acostamento devagar, desceu o pequeno declive de terra e deixou o carro perto do capinzal.
De terno e gravata, ficou em pé assistindo. Terrão, sol humilhante, dois times (com camisa e sem camisa) de rapazes simples jogavam como numa final de Copa do Mundo.
Suava, estava atrasado, se empoeirava, o compromisso era importante – mas ele não saía do lugar.
Viu que tinha uns galões de água, fez sinal pra um dos jogadores pedindo pra tomar. Virou no bico, esfregou a boca com as costas da mão, molhou o cabelo, pôs as mãos na cintura abrindo as asas do paletó e voltou a assistir.
Não pensava mais no tempo. A tarde crepitava. O jogo parecia que não teria fim. O zunido dos carros na estrada. Gols comemorados como vitórias numa guerra. O manto de poeira.
De cócoras. Com a mão em continência pra apurar a vista. A boca seca. Os lábios nos mesmos galões em que todos tomavam.
E foi aquilo. Um se machucou, tio, entra aí, quem, eu?, é, tio, completa aí, mas só estou assistindo, faz tempo que não jogo, só completa, de terno?, vai logo, tio, peraí, boa.
Era no time de camisa. Deixou o paletó no chão e entrou.
Não sabia mais o que estava acontecendo. Sol, poeira, carros, a bola, os jogadores em volta, ele correndo sem parar, a gravata balançando, os sapatos doendo, o suor empapando tudo, o barulho do tempo zunindo, zunindo, zunindo, escurecendo, quem fizer acaba, mas ninguém fazia, o jogo não acabava, quase noite, ele correndo, tocando, chutando, tropeçando, a boca cheia de terra, já não se via mais nada...
O carro tá lá no capinzal faz mais de um mês. Depenado.
Quem mora em volta não sabe como ele foi parar lá. Ninguém se lembra de ter visto nada: nem acidente, nem pelada, nem ninguém saindo do carro, dizem que naquele campo ninguém joga há anos.
Mas a polícia segue procurando o corpo.
É que acharam um paletó no chão, sujo de terra, do lado do campo.
Mas sem nada. Nenhum documento, nenhum papel. Nada.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)