05 março 2017

Final de Carreira

Nas entradas e nas cãs já se nota. Um pouco de barriga também. Tem que apertar os olhos pra ver o gol adversário. A mobilidade é pequena.
Mas tem a técnica. O toque. O imprevisto que desmantela o ferrolho, percorre a picada, invade a clareira e põe os companheiros na cara do gol.
Só que já está cansado. Quer parar. Executa seus números como o profissional no teatro mambembe, de cor, sem o ímpeto infantil que o fez tornar-se adulto naquele ofício.
A categoria com que amacia e movimenta a bola intimida os que cogitam criticá-lo por não correr, não marcar, por jogar tão calado.
Às vezes até ensaia-se um apupo.
Mas eis o passe de mágica – e a muralha à sua frente se esfumaça. O milagre do centroavante livre na área. Palmas, gritos, espanto.
Nos bastidores, depois dos jogos, sua, respira forte. Não quer mais seguir.
Mas é no palco, aliás, no campo velho e esburacado, com os mesmos truques, aliás, lances, que consegue o almoço e a janta.
O pior é olhar pra frente: mesmo não podendo, sabe que mais um pouco vai ter que parar.
O horizonte é claro: nada se vê.
E não adianta apertar os olhos.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)