17 agosto 2017

Sentimento de Culpa

O único ruído possível de ouvir era o arrastar dos calçados da multidão no cimento. Ele e mais milhares andavam cabisbaixos, com um passo ritmado e lento, em um cenário que se assemelhava ao retorno de uma tropa que tinha perdido uma batalha. Aqui, não havia feridos, apenas um grupo de torcedores frutados, por mais um revés, que para muitos era o pior vexame da história.
Em algumas oportunidades, alguém soltava um grito. E ele se assustava, pois como ele tinha certeza que era o principal culpado pelo resultado adverso, pensava que o tinham descoberto. No seu desalento pensava que seria facilmente identificado como o responsável por tudo dar errado, pois na multidão era dos poucos que não vestia a camisa do seu time, nem uma vestimenta com a cor de sua paixão. Também já sabia que todos que estavam saindo do estádio ao seu lado, teriam que ouvir, por vários dias, piadas sem a mínima graça.
Pensava ser o pior torcedor que um time pode ter, pois desde início do jogo já sentia que o seu clube não conseguiria o resultado que precisava. Ficou os 90 minutos pensando apenas em fracassos do time e traçando paralelos entre jogadores que enterraram o time no passado com os atletas do elenco atual. Não era capaz de recordar um grande momento de história do clube, mas não parava de elencar as grandes derrotas que ele presenciou. Definitivamente, para ele, os piores momentos do clube eram muito mais marcantes do que qualquer título ou grande vitória.
Também se culpava por não ter participado da festa da torcida na entrada dos jogadores, por não ter gritado uma única vez o nome do clube durante o jogo e por enxugar – disfarçar – as lágrimas que caíram após o apito final. Não parava de pensar: como alguém pode gostar tanto de um clube e nem consegue gritar o nome dele?
Deveria ter xingado o técnico, crucificar o goleiro, criticar o atacante - que perdeu a melhor chance da partida -, xingar o árbitro, protestar contra a diretoria, chamar o técnico de “burro” ou apenas conversar e abraçar o vizinho de arquibancada, mas o sentimento de culpa que ele carregava não deixava ele falar nada. 
Continuava seguindo junto com a multidão, pensando que voltaria no próximo jogo. Se sentiria ainda pior se não estivesse próximo do time em um momento de baixa, mesmo sabendo que ninguém era mais culpado dos fracassos do seu time do que ele. Ele ama tanto o seu clube, que não se importa em só sofrer por ele. 
(Texto de Humberto Luiz Peron)